Mário Leite de Barros Filho
Delegado de Polícia do Estado de São Paulo, professor universitário, autor de quatro obras na área do Direito Administrativo Disciplinar e da Polícia Judiciária. Atualmente, exerce a atividade de assessor jurídico do gabinete do deputado federal Regis de Oliveira, em Brasília.
Dados para contato: email: mario.leite2@terra.com.br – fone: (61) 3215-5911.
Sumário: I – Introdução; II – Definição de Atividade Jurídica; III – Natureza da Atividade exercida pelos Oficiais da Polícia Militar; IV – Natureza Jurídica da Atividade exercida pelos Delegados de Polícia; V – Conclusão; e VI – Bibliografia.
Resumo: A presente matéria estuda a natureza da atividade exercida pelos oficiais da Polícia Militar.
Demonstra que o trabalho de policiamento ostensivo, preventivo e preservação da ordem pública exercido pelos oficiais da Polícia Militar não se enquadra na definição de atividade jurídica estabelecida pelo Conselho Nacional de Justiça.
O fundamento de validade da tese defendida neste artigo consiste no fato de os oficiais da Polícia Militar não utilizarem, de maneira reiterada e preponderante, de conhecimento jurídico, para o exercício de suas atribuições constitucionais.
Finalmente, examina a natureza jurídica da atividade exercida pelos delegados de polícia.
Palavras – chave: Atividade Jurídica; Oficiais da Polícia Militar; Delegados de Polícia; Polícia de Segurança; Polícia Judiciária; Polícia Ostensiva, Preventiva e Repressiva; e Preservação da Ordem Pública.
I – INTRODUÇÃO
Tramita na Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais a proposta de emenda à Constituição nº 59/2010.
A proposta de emenda à Constituição nº 59/2010 pretende acrescentar os §§ 3º e 4º ao art. 142, da Constituição Mineira.
De um lado, o projeto exige para o ingresso no quadro de oficiais da Polícia Militar o título de bacharel em Direito.
De outro, a proposta insere a atividade exercida pelos oficiais da Polícia Militar no rol das carreiras jurídicas.
Art. 1º. Ficam acrescentados ao art. 142 da Constituição do Estado os seguintes §§ 3º e 4º:
“Art. 142. (...)
§ 3º. Para o ingresso no Quadro de Oficiais da Polícia Militar – QO-PM – é exigido o título de bacharel em Direito e a aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, realizado com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Estado de Minas Gerais. (grifei)
§ 4º. O cargo de Oficial do Quadro de Oficiais da Polícia Militar – QO-PM –, com competência para o exercício da função de Juiz Militar e das atividades de polícia judiciária militar, integra, para todos os fins, a carreira jurídica militar do Estado.” (grifei)
É importante ressaltar que a apresentação do aludido projeto foi motivada pela aprovação recente da proposta de emenda à Constituição nº 14/2007, que reconheceu a atividade exercida pelos delegados de polícia de Minas Gerais como de natureza jurídica, ficando, desta forma, evidente que os principais objetivos da iniciativa dos oficiais da Polícia Militar são a disputa de espaço e a defesa de interesse Institucional.
II – DEFINIÇÃO DE ATIVIDADE JURÍDICA
Indiscutivelmente, a exigência de curso superior beneficiará à sociedade, em virtude do aperfeiçoamento dos serviços que serão prestados pelos militares.
Entretanto, a exigência de título de bacharel em direito não tem o condão de transformar as atribuições desempenhadas pelos oficiais da Polícia Militar de Minas Gerais em atividade jurídica.
Efetivamente, a atividade principal realizada pelos policiais militares, apesar de importante, não é de natureza jurídica.
A natureza da atividade realizada pelos oficiais das Polícias Militares não é jurídica, porque estes profissionais não utilizam, de maneira reiterada e preponderante, de conhecimento jurídico, para o exercício de suas atribuições constitucionais de policiamento ostensivo, preventivo e preservação da ordem pública.
Com efeito, a definição de atividade jurídica é estabelecida pelo artigo 59, da Resolução nº 75, de 12 de maio de 2009, do Conselho Nacional de Justiça:
Art. 59. Considera-se atividade jurídica, para os efeitos do art. 58, § 1º, alínea "i": (grifei)
I – aquela exercida com exclusividade por bacharel em Direito;
II – o efetivo exercício de advocacia, inclusive voluntária, mediante a participação anual mínima em 5 (cinco) atos privativos de advogado (Lei nº 8.906, 4 de julho de 1994, art. 1º) em causas ou questões distintas;
III – o exercício de cargos, empregos ou funções, inclusive de magistério superior, que exija a utilização preponderante de conhecimento jurídico; (grifei)
IV – o exercício da função de conciliador junto a tribunais judiciais, juizados especiais, varas especiais, anexos de juizados especiais ou de varas judiciais, no mínimo por 16 (dezesseis) horas mensais e durante 1 (um) ano;
V – o exercício da atividade de mediação ou de arbitragem na composição de litígios.
O inciso II, do art. 59, do ato normativo em tela, deixa claro que a atividade será considerada jurídica quando houver utilização preponderante de conhecimento jurídico.
Segundo o dicionário Aurélio Século XXI, a expressão “preponderante” significa: ter mais influência ou importância, predominar, prevalecer.
É importante ressaltar que tal exigência é estabelecida pelo Conselho Nacional de Justiça, entidade encarregada de estabelecer as principais diretrizes do Poder Judiciário.
III – NATUREZA DA ATIVIDADE EXERCIDA PELOS OFICIAIS DA PM
Acontece que os oficiais das Polícias Militares são responsáveis pelo policiamento ostensivo, preventivo e pela preservação da ordem pública, nos termos do § 5º, do art. 144, da Carta Política.
Art. 144. (...)
§ 5º. Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil. (grifei)
Inquestionavelmente, os oficiais das Polícias Militares não utilizam, de maneira reiterada e preponderante, de conhecimento jurídico, para o exercício de suas atribuições constitucionais.
Tais atividades exigem o conhecimento de técnicas de policiamento ostensivo e a formação na área da prevenção criminal.
Portanto, não basta que eventualmente os oficiais das Polícias Militares utilizem noções de direito no exercício de suas funções ou que um ramo específico da corporação desenvolva esporadicamente tal trabalho, a legislação que disciplina a matéria exige, para considerar jurídica uma determinada atividade, que a atribuição principal e essencial do cargo seja a aplicação reiterada do direito.
Isto significa que o fato de o oficial da Policia Militar presidir esporadicamente um inquérito policial que apura crime militar próprio ou exercer eventualmente a função de juiz militar não é suficiente para caracterizar a atividade desenvolvida pelos demais oficiais como de natureza jurídica.
O cerne da questão está na essência das Instituições.
De um lado, a Polícia de Segurança (Polícia Militar), que se ajusta mais ao Poder Executivo, com a missão de manter a ordem pública, exerce atividade de natureza ostensiva e preventiva, por intermédio de técnicas de controle, contenção e domínio da população.
De outro, a Polícia Judiciária (Polícia Civil), que se amolda mais ao Poder Judiciário, com a incumbência de restabelecer a harmonia social violada, exerce atividade de caráter repressivo, elucidando as circunstâncias e a autoria dos delitos, mediante a utilização preponderante de conhecimento jurídico.
Corroborando a tese que a atividade exercida pelos oficiais não se reveste de natureza jurídica, saliente-se que no Direito vigora o princípio da primazia da verdade, que exige a compatibilidade entre a ficção jurídica e a realidade.
Isto significa que a qualificação formal ou o nome jurídico atribuído artificialmente à determinada atividade não tem validade se contrariar a natureza e a essência do trabalho realizado pelos integrantes da Instituição.
IV – NATUREZA JURÍDICA DA ATIVIDADE EXERCIDA PELOS DELEGADOS DE POLÍCIA
De maneira diversa, os delegados de polícia, todos bacharéis em Direito, no exercício de suas atribuições repressivas, auxiliam o Poder Judiciário, formalizando o fato criminoso e aplicando preponderantemente o direito ao caso concreto.
A propósito, o Supremo Tribunal Federal já reconheceu a natureza jurídica da atividade exercida pelo delegado de polícia, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.460-0, ocasião em que o eminente Ministro Carlos Ayres Brito assim se manifestou:
“Há exceções, reconheço, nesse plano do preparo técnico para a solução de controvérsias. E elas estão, assim penso, justamente nas atividades policiais e nas de natureza cartorária. É que a Constituição mesma já distingue as coisas. Quero dizer: se a atividade policial diz respeito ao cargo de Delegado, ela se define como de caráter jurídico. (...) Isto porque: a) desde o primitivo § 4º, do artigo 144, da Constituição, que o cargo de Delegado de Polícia é tido como equiparável àqueles integrantes das chamadas carreiras jurídicas (...).” (grifei)
Da mesma forma, a doutrina já se posicionou a respeito do assunto.
O Professor José Afonso da Silva sustenta que a atividade exercida pelos delegados de polícia é jurídica pelos seguintes motivos:
“Todas elas são carreiras jurídicas, primeiro porque exigem formação jurídica como requisito essencial para que nelas alguém possa ingressar; segundo porque todas têm o mesmo objeto, qual seja: a aplicação da norma jurídica; terceiro porque, por isso mesmo, sua atividade é essencialmente idêntica, qual seja, a do exame de situações fáticas específicas, emergentes, que requeiram a solução concreta em face da norma jurídica, na busca de seu enquadramento nesta, o que significa a subsunção das situações de fato na descrição normativa, operação que envolve interpretação e aplicação jurídica, campo essencial comum que dá o conceito dessas carreiras.” Grifei
É importante consignar que o reconhecimento da atividade exercida pelo delegado de polícia como de natureza jurídica atende aos interesses públicos, pois cria condições para que, no futuro, as garantias de independência funcional da inamovibilidade, vitaliciedade e irredutibilidade de subsídios dos integrantes da Magistratura e do Ministério Público sejam atribuídas às autoridades policiais.
Efetivamente, as mencionadas prerrogativas proporcionariam ao delegado de polícia autonomia e independência funcional para investigar, inclusive, crimes praticados por empresários e políticos influentes.
De outra parte, fortalecendo o entendimento que os delegados de polícia exercem atividade de natureza jurídica, saliente-se que o inciso I, do artigo 93 e o § 3º, do artigo 129, da Constituição Federal, exigem para o ingresso às carreiras da Magistratura e do Ministério Público, no mínimo, três anos de atividade jurídica.
A jurisprudência e a doutrina são unânimes em afirmar que o exercício do cargo de delegado de polícia, durante o período de três anos, é reconhecido como atividade jurídica para o concurso de ingresso às carreiras de juiz, de promotor de justiça e de procurador da república.
Acrescente-se, ainda, que o concurso público de provas e títulos de ingresso à carreira de delegado de polícia, a exemplo do que ocorre no processo de admissão dos juízes, promotores de justiça, procuradores da república, procuradores do estado, defensores públicos, exige que o candidato seja bacharel em Direito.
Tal fato constitui mais uma demonstração inequívoca que a natureza da atividade exercida pelas autoridades policiais é essencialmente jurídica.
Confirmando a procedência da tese aqui sustentada, saliente-se que os conhecimentos exigidos para aprovação no concurso de ingresso à carreira de delegado de polícia são exclusivamente na área jurídica.
Ora, não teria nenhum sentido exigir profundos conhecimentos na área do Direito Penal, Direito Processual Penal, Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Civil e Direitos Humanos, se a natureza da atividade exercida pelo delegado de polícia não fosse essencialmente jurídica.
A propósito, o concurso de ingresso à carreira de delegado de polícia é tão semelhante ao processo de admissão dos integrantes das carreiras consideradas jurídicas, que se exige a participação na banca examinadora de representante da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB.
Saliente-se, ainda, que o deputado federal Regis de Oliveira, com o objetivo de preencher lacuna existente no ordenamento jurídico vigente, apresentou proposta atribuindo expressamente tal prerrogativa aos delegados de polícia:
● Projeto de Lei nº 487/2010, que, além de alterar o nome da Polícia Civil para Polícia Judiciária dos Estados e ampliar suas atribuições, reveste a atividade exercida pelos delegados de polícia de natureza jurídica.
V – CONCLUSÃO
Concluí-se, portanto, que a atividade exercida pelos delegados de polícia é considerada jurídica, porque preenche a condição estabelecida pelo item III (o exercício de cargo que exige a utilização preponderante de conhecimento jurídico), do artigo 59, da Resolução nº 75, de 12 de maio de 2009, do Conselho Nacional de Justiça.
Art. 59. Considera-se atividade jurídica, para os efeitos do art. 58, § 1º, alínea "i": (grifei)
III – o exercício de cargos, empregos ou funções, inclusive de magistério superior, que exija a utilização preponderante de conhecimento jurídico; (grifei)
Quero com isto dizer que a atividade dos delegados de polícia é reconhecida como jurídica por uma questão ontológica.
Isto significa que o trabalho desenvolvido pelos dirigentes da Polícia Judiciária é considerado como atividade pertencente à área do direito, não por uma ficção legislativa, mas sim em decorrência de sua própria natureza e essência.
VI – BIBLIOGRAFIA
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Veiculada pela ADEPOL/AL
NEM SEMPRE A MÃO QUE MATA É A MESMA QUE PUXA O GATILHO. OMISSÃO É CRIME; "O abominável conluio entre a bandidagem e os poderes republicanos consagra a soltura indiscriminada de criminosos, resultando para a sociedade do bem a instituição da prisão domiciliar e a própria pena de morte, configurada nos inúmeros homicídios praticados, sob o nefasto descontrole dos inoperantes poderes constitucionais".Elói Rodrigues.
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